Abrigo da prefeitura é destino de bichos vítimas de maus-tratos.
Pelé era mantido em um quarto escuro e estava prestes a ser sacrificado num ritual de magia negra quando foi resgatado. Shiva era obrigada a participar de rinhas de cães e chegou a perder a orelha direita em uma briga. Zé do Caixão, após dias confinado na casa de uma acumuladora de objetos, ficou desnutrido e com as unhas tão assustadoramente compridas que lhe renderam o apelido. Hoje na Fazenda Modelo, em Guaratiba, os três cachorros se recuperam dos traumas.
Fundado há dez anos, o abrigo público da prefeitura sempre recebeu animais vítimas de maus-tratos. Eram casos excepcionais, denunciados à Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente e recuperados em ações policiais. No último ano, no entanto, a exceção virou rotina. O abandono aumentou 40% e um em cada cinco novos hóspedes do abrigo apresentam doenças ou ferimentos.
“Houve aumento do abandono, e os animais estão sendo deixados em condição física pior. Machucados, maltratados. Uma das possíveis explicações para isso é a crise. As pessoas tentam manter o animal, mesmo não podendo sustentar o nível de tratamento e ração. Só que chega um momento crítico em que acabam abandonando o animal”, diz Suzane Rizzo, subsecretária municipal de Bem-estar Animal.
A Fazenda Modelo tem uma área de 13 mil metros quadrados que inclui um centro cirúrgico, um canil, um gatil e um curral para equinos. Ontem, o espaço contava com 857 animais. Não chega a ser uma superlotação, mas o número é considerado elevado pelo atual diretor do espaço, Alvair dos Reis, de 40 anos. Com formação em psicologia clínica, ele leva a experiência que adquiriu na área hospitalar para profissionalizar o abrigo.
“Hoje, temos um prontuário com foto e histórico de cada animal. Antes, não havia qualquer controle”, diz ele, que se preocupa com o aumento da quantidade de animais: “Temos uma grande porta de entrada, mas as de saída são o óbito ou a adoção. Nosso foco é qualidade e, com isso, a tendência é que aumente a expectativa de vida dos animais. Precisamos que as pessoas adotem.”
Estratégias para adoção
Há 18 meses, a veterinária Suzane Rizzo assumiu a subsecretaria com a missão de erradicar o abandono. Com o passar do tempo, esbarrou em dificuldades imprevistas.
“Encontrei a secretaria com uma dívida de R$ 1,5 milhão. Isso impactou muito. Hoje, estamos buscando parcerias público-privadas para driblar a crise. Criamos o selo de responsabilidade social para animais do Brasil, o Sou do Bem Animal. As empresas que nos ajudarem podem exibi-lo como propaganda, o que gera empatia dos consumidores”, explica Suzane, acrescentando que a troca do piso do canil foi possível graças à adesão de uma empresa ao selo.
Outras estratégias estão previstas. As campanhas de adoção, que eram mensais, agora são feitas duas vezes por semana. Além disso, no mês que vem, a subsecretaria vai convocar adestradores voluntários.
Cães adestrados são adotados com mais facilidade. E será desenvolvido o projeto de lar temporário, para engajar pessoas na recuperação dos animais. Elas são convidadas a ficar com o bicho em casa por sete dias: um para o jejum, outro para a castração e cinco para o pós-operatório.
“É importante conscientizar o cidadão de que quem abandona o animal está onerando o município. Quando alguém solta um animal na rua, nós temos que recolher. O que paga a estrutura é o imposto do cidadão. Queremos dividir a responsabilidade e mostrar que o abrigo não é o lugar ideal para o animal”, diz Suzane.
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