Quando surgiu seu interesse por essa causa?
Durante quase metade da minha vida, eu não tinha nenhuma “consciência animal”, como costumo dizer.A não ser pelos animais de companhia com os quais dividia minha vida, os outros bichos eram como pedaços de madeira. Digo isso porque cheguei a trabalhar como açougueiro, quando era mais novo, e como carpinteiro. E para mim os animais eram coisas, como os pedaços de madeira que usava na carpintaria. O que mudou minha vida foi ler Gandhi. A partir de então, comecei a me opor à violência que não pode ser justificada, e por isso fui contra a Guerra do Vietnã. Gandhi me ajudou a ver que nossa cultura trava uma guerra não declarada contra os outros animais todos os dias, nas fábricas que os transformam em comida, em roupas, em competidores, atletas, ferramentas. E a violência imposta a eles simplesmente não pode ser justificada.
Mas os seres humanos são diferentes dos animais. Como fica?
É verdade que muitos seres humanos são diferentes dos outros animais de diversas formas. Por exemplo,muitos seres humanos são capazes de ler história e ficção, responsabilizar-se por suas ações e assim por diante. No entanto, nem todos os seres humanos são capazes de fazer essas coisas. E por isso dizemos: “Bem, então esses seres humanos não têm direitos, o que faz com que sejamos livres para usá-los como simples meios para atingirmos nossos fins”? É claro que não. Esses seres humanos têm os mesmos direitos fundamentais que nós e no mesmo nível. Portanto, não faz sentido falar de direitos no caso dos seres humanos e negar esses mesmos direitos no caso de outros animais incapazes de fazê-lo.Todos estamos no mundo, temos consciência do mundo e do que nos acontece. Além disso, o que nos acontece tem importância para nós porque faz diferença para a qualidade da nossa vida, quer os outros se importem com isso ou não. Assim, desse modo fundamental, esses seres humanos e aqueles animais são a mesma coisa, são iguais. Como, então, podemos reivindicar com sensatez direitos para nós e negar a eles esses direitos? Não podemos fazer isso de forma sensata, o que não significa,obviamente, que não possamos continuar a afirmar nossa singularidade por razões outras além das sensatas.
Quando a sociedade começou a achar essa questão relevante?
Desde que começamos a registrar a história há gente defendendo os direitos dos animais. Encontramos a idéia de que nunca deveríamos ferir ou aleijar outro animal à vontade, nem fazer isso quando os matamos para comer, nos textos de Ovídio e Plutarco, Sêneca e Platão, Pitágoras e Porfírio.O fato de pouquíssimas pessoas saberem que esses personagens ilustres estavam do lado dos direitos animais só serve para mostrar como é tendencioso nosso sistema educacional.
Como você vê a evolução dos direitos dos animais?
Sou realista. Não acho que o mundo vá adquirir a consciência sobre isso da noite para o dia.Mas algumas transformações já estão acontecendo. No Brasil, por exemplo, encontramos a proibição da rinha de galos, ainda permitida em alguns estados do meu país; a proibição no Rio de Janeiro de circos e outros espetáculos que incluam atos com animais, ainda permitidos em Raleigh, cidade americana onde moro; a eliminação da dissecação e da vivissecção em escolas públicas, ainda comuns nos Estados Unidos; e a proibição total de “diversões” com mamíferos marinhos, que ainda vicejam em parques temáticos americanos, como o Sea World, em San Diego.
Qual a maior crueldade que os animais vêm sofrendo?
Em termos da pura contagem de corpos, a pecuária é de longe a pior: cerca de 60 bilhões são massacrados todo ano. Se compararmos seu número com o de touros mortos nas touradas, o mal feito aos touros pode parecer menor. Mas os números não dizem tudo. A maioria das pessoas que comem a carne de outros animais aprendeu que precisa disso por razões nutricionais. Na verdade, isso é falso. Não precisamos comer carne nem nenhum produto animal (leite ou ovos, por exemplo) para ter o máximo de saúde e vitalidade.Ainda assim, saúde e vitalidade são bens importantes que as pessoas deveriam ser encorajadas a buscar. Quando se trata da pura tortura que os touros têm de suportar em nome do “esporte” e da “diversão”, bem, aí o caso é outro.Ninguém pode ser tão doutrinado a ponto de acreditar que torturar um touro seja necessário para algum bem humano importante. Há muitos esportes e formas de diversão que não exigem que animais sofram, ainda mais para a alegria de observadores humanos. O que estou dizendo é que a maioria das pessoas que comem carne de animais o fazem porque acham necessário, enquanto a maioria das pessoas que gostam de ver touros destruídos age assim por sadismo.O que é pior: fazer os animais sofrerem e morrerem por ignorância ou por sadismo? Deixando os números de lado, com certeza o último é pior que o primeiro.
O que podemos fazer pelos animais?
Podemos começar mudando o jeito como vivemos a própria vida prestando atenção na comida que colocamos no prato, por exemplo.Outra coisa que podemos fazer é procurar descobrir quais cosméticos e produtos foram testados em animais e quais não foram. Quase todo mundo que dá esses passos não pára por aí. Quanto mais a gente aprende sobre como os animais são maltratados, mais se quer fazer alguma coisa para ajudá-los. Isso leva, naturalmente, a nos juntarmos a outras pessoas. Assim, podemos ter influência sobre as leis e a política pública. Nenhuma pessoa isolada pôde acabar com os espetáculos com mamíferos marinhos no Brasil. Esse foi o resultado de muita gente trabalhando junto. Assim, há muitas maneiras de ver as jaulas vazias.
Como é hoje a difusão da música positiva?
No início, há 35 anos, poucas pessoas compreendiam o que eu pregava, mas nos últimos anos a situação está mudando. Muitos ainda acham, entretanto, que o termo “música positiva”serve apenas para explicar as letras de algumas canções, e não é isso que estou propondo. Positivo, em termos musicais, refere-se às sensações induzidas pela música, sem palavras. A música tem uma capacidade maravilhosa de elevação, ajuda a curar, expressa os sentimentos do coração e ajuda a despertar nossa própria espiritualidade.
Livro:
• Jaulas Vazias, Tom Regan, editora Lugano