Uma matéria brilhantemente escrita pela Bruna Rasmussen e lançada no site Hypeness, alerta para o que são na verdade as fábricas de filhotes. E aqui no Portal do Animal não poderíamos deixar passar a oportunidade de compartilhar com nossos leitores, tamanho trabalho.
Enquanto saía com minhas sacolas de compras do supermercado, observei na galeria de lojas anexa um aglomerado em frente a uma vitrine. Duas crianças pequenas, uma maior e dois adultos, que assumi serem os pais, estavam enfeitiçados por um Yorkshire que tentava dormir enrolado em um cobertor puído em uma caixa de vidro que, seguramente, tinha menos de 1 metro quadrado.
Yorkie em uma fábrica de filhotes, nos EUA. Foto ©HLNTV/Frank Loftus
Nesse momento, a vendedora do petshop saiu em encontro deles e, decidi colocar as sacolas no chão e amarrar o tênis, para ouvir a conversa.
Fábrica de filhotes no Brasil. Fotos ©Instituto É o Bicho
Era um Yorkie, macho, 3 meses, dócil, ótimo para crianças, elas iriam amá-lo, R$ 750, mas dava pra parcelar em até 3xno cartão, 30 dias pra devolução, só comia ração de primeira, vermifugado, vacinado com vacina importada, acompanhava um kit com coleira, potinho e dois brinquedos. Ele adorava brincar. Adorava crianças. Olha só como estão se dando bem.
Foto ©Instituto É o Bicho
uot;PT Serif"; vertical-align: baseline; color: rgb(87, 87, 87);">Tomei meu rumo para casa enquanto deixava para trás os olhinhos brilhantes daquelas crianças, apaixonadas pelo dog, e os pais tentados pela facilidade do pagamento e brindes.
Foto ©Instituto É o Bicho
Quem não gosta de brindes, não é mesmo? Mas essa cena, que aconteceu há alguns meses, me pegou de jeito.
Foto ©Instituto É o Bicho
Aquelas crianças, aqueles pais, se duvidar, nem mesmo a vendedora: eles não sabiam o quanto aquela fofura de filhote já sofreu, o quanto aquela coisinha linda detestava estar naquela jaula de vidro, o quanto o comércio de filhotes é algo cruel, malvado mesmo, de arrancar o coração de qualquer pessoa que tenha um.
Foto ©Instituto É o Bicho
As pessoas escolhem seus companheiros animais pela aparência, pelo comportamento ou, pasme, pela moda. Cães, gatos e outros bichinhos acabam fazendo parte de um desejo de consumo impulsionado muitas vezes pela mídia e pela cultura pop. Quando os 101 Dálmatas estrearam no cinema, a busca pelos adoráveis cãezinhos explodiu nos EUA.
As fábricas de filhotes aumentaram drasticamente a produção de cães da raça Dálmata, sem se importar com o cruzamento, cuidados veterinários ou com a socialização dos filhotes. O resultado disso foram cães mais agressivos do que o normal e, consequentemente, um aumento no número de Dálmatas abandonados – ninguém queria cães que destruíam o apartamento e não eram tão dóceis, enquanto que a realidade mostrada no desenho era justamente outra.
Foto ©Adote, não Compre!
O mesmo aconteceu com os Chihuaha, que somam um terço da população de abrigos da Califórnia e que foram popularizados pelo filme Bervely Hills Chihuahua. E até mesmo as corujas, compradas por fãs de Harry Potter, foram abandonadas às centenas no Reino Unido.
Mas colocar a culpa na Disney ou em qualquer outro produtor de conteúdo ou mídia não faz sentido. Falar em culpa não faz sentido. É necessário mudar mentalidades, especialmente dos consumidores. Afinal, é graças às famílias que compram animais em pet shops e em sites de venda online que esses produtores clandestinos existem.
fotos ©ASPCA
Mas o que essas fábricas de animais fazem de tão errado para provocar tanto sofrimento aos animais?
“Cães são considerados produtos agrícolas, são como uma espiga de milho”, disse Bill Smith, fundador da ONG Main Line Animal Rescue, nos EUA. Junto a equipes de voluntários, Smith resgata centenas de cães em fábricas de animais todos os anos.
fotos ©ASPCA
O perfil desses criadores clandestinos é geralmente o mesmo encontrado aqui no Brasil: são chácaras próximas a grandes centros urbanos ou quintais em bairros afastados em que cães das espécies mais vendáveis, como Shih Tzu, Pugs, Yorkshires, Poodles, Malteses e Buldogues procriam sem que o criador tenha qualquer tipo de conhecimento sobre a raça, cuidado veterinário ou espaço para que o filhote e a mãe (também chamada de matriz) tenham uma vida minimamente digna.
fotos ©ASPCA
Esses locais de criação costumam ser sujos, apertados e mal ventilados. Não-raro, os cães são presos em caixas de arame pequenas e as fêmeas são forçadas a procriarem a cada cio, sem descanso, sem cuidados veterinários ou lazer.
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Quando não conseguem mais atender à demanda de procriação, são mortas ou abandonadas, como uma peça estragada de uma máquina. Nessas fábricas, o objetivo é o lucro, antes mesmo do bem-estar do animal.
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Se uma ração decente ou visita ao veterinário significa gastar dinheiro, pode ter certeza que esse custo será cortado. O animal deve apenas parecer minimamente fofo para encantar pessoas na vitrine do pet shop ou ser vendido em sites de negociação online.
foto ©ASPCA
Como resultado, têm-se animais frágeis, com problemas neurológicos, oculares, doenças sanguíneas, parvoviroses, cães que mal conseguem andar, que jamais tiveram a chance de pisar em uma grama ou tiveram contato saudável com humanos.
foto ©ASPCA
Em suma, são animais com problemas, que poderão apresentar desvios comportamentais e irão exigir um cuidado veterinário muito maior do que a pessoa que o comprou estaria disposta a dar. E então, após a compra, é bem provável que o animal continue a ter suas necessidades ignoradas, seja abandonado, enviado para um abrigo ou sacrificado.
O Instituto É o Bicho cita algumas das principais doenças que cada raça tende a apresentar devido a cruzamentos forçados:
- Pug: Meningoencefalite, dermatite, sarna demodécica, insuficiência respiratória podendo chegar a óbito em atividades intensas, rinite alérgica, palato mole alongado, problemas com as glândulas AD-Anais, olho seco e úlcera de córnea, lipoma, epilepsia e otite;
- Buldog Inglês: Pelve estreita, cruzas por inseminação artificial e parto por cesárea, hipertermia, problemas respiratórios, dermatites, displasia coxofemoral e de cotovelo, hipoplasia da traquéia, hipotireoidismo, prolapso da terceira pálpebra, cálculos na bexiga, olho seco, prolapso uretral, sarna demodécica e mastocitomas;
- Basset Hound: Otites constantes e problemas ortopédicos graves;
- Beagles: 34% deles sofrem de inflamações nas artérias coronárias;
- Chihuahua: Hidrocefalia, pressão no cérebro podendo causar dor e a perda das funções cerebrais;
- Collies: 90% deles sofrem de anomalia nos olhos que envolve o nervo óptico e a retina;
- Dálmatas: 30% deles são surdos;
- Dobermann: 40% deles sofrem de Insuficência Cardíaca;
- Golden Retriever: Displasia coxofemural, perde a mobilidade nas patas traseiras;
- Labrador: Torção gástrica, problemas ósseos e insuficiência renal;
- Lulu da Pomerânia: Deslocamento de patela e degeneração progressiva de retina;
- Pastor Alemão: Problemas de articulações, displasia coxofemoral, perde a mobilidade patas traseiras;
- Pitbull: Displasia coxofemural, problemas de patela e muitos problemas de pele;
- Rottweilers: 55% sofrem de displasia no cotovelo, alergias e hipotireoidismo;
- São Bernardo: Dilatação gástrica, problemas ortopédicos;
- Shihtzus: Problemas respiratórios, otites e problemas de pele, coprofagia (come fezes);
- Sptiz: Luxação patelar, disfunções da tireóide, problemas de pele, fungos, caspa e seborreia;
- Yorkshire: Hernia, necrose asséptica, ceratoconjuntivite seca, problema de patela.
Para atender às demandas do mercado os produtores chegam ao ponto de criar as variações micro, mini, zero e anão de raças cujo porte já é pequeno. Pare e use o bom senso: você realmente acha que um cão que pesa menos de 1 kg consegue ser saudável de verdade? Cães que se encaixam nessas variações costumam apresentar problemas graves como epilepsia, hidrocefalia e características do nanismo. Eles foram projetados para serem fofos, mas são uma aberração!
Esse circo de horrores existe para saciar o desejo das pessoas em terem um cão de raça pura, o que é facilitado por um pagamento parcelado no cartão e ilusões de bem-estar. Mas nós não estamos falando de uma bolsa da Prada, um perfume importado ou um carro esportivo: é um ser vivo que sente dor, tem personalidade, necessidades fisiológicas e afetivas e que, mesmo assim, é tratado como mercadoria o tempo todo sem que achemos errado. E não se trata de ser chato-politicamente-correto-sem-louça-pra-lavar: é uma questão de ser humano, empático e buscar esclarecer questões importantes que até alguns anos atrás eram deixadas em segundo plano.
A primeira coisa que as pessoas perguntam quando alguém comenta que tem um cachorro ou gato, é em relação à raça. Mas o que significa raça nos dias hoje? O que é ser raça pura? Há séculos, cães e gatos tem sido criados por homens, muitos dos quais se tornaram especialistas em determinadas raças. Hoje os padrões que guiam uma raça são são definidos principalmente pela CBKC (Conferederação Brasileira de Cinonilia). Contudo, sempre há espaço para questionar o que é uma raça, até que ponto ela é “pura” e o por que um cão puro seria melhor que o popular vira-lata.
Não é errado querer ter um cão de uma raça específica, seja pelo tamanho, pelo comportamento ou pela aparência. Errado é buscar por ele em criadouros clandestinos, deixar-se encantar com preços menores e não fazer questão de saber de onde vem o seu animal de estimação. Embora existam milhares de fábricas de filhotes espalhadas pelo mundo, há também criadores sérios, que tratam seus animais com respeito, dignidade e fazem os cruzamentos com conhecimento, planejamento e cuidado veterinário adequado. Mas, claro, tudo tem um preço e os filhotes vindos desses canis costumam custar mais caro.
Quero um animal de estimação, e agora?
1. Adote!
Em abrigos para animais e nas ruas há milhares de animais esperando para serem resgatados. Em feiras de adoção, que acontecem em todo o país, os animais costumam já vir castrados e vacinados, o que torna ainda mais simples o processo de adoção. Lembre-se, contudo, que ter um animal exige responsabilidade, afinal, ele é como um filho que precisa de carinho, comida e cuidados e não pode ser descartado apenas porque fez xixi no tapete, late demais ou está doente. Estar disposto a adotar um bichinho é abrir o coração e casa para um novo membro da família.
Precisa de algumas boas razões para isso? Veja o antes e depois de alguns animais que foram adotados:
Fotos via Twisted Sifter
Fotos via Twisted Sifter
Fotos via Twisted Sifter
Fotos via Twisted Sifter
Fotos via Twisted Sifter
Fotos via Twisted Sifter
Fotos via Twisted Sifter
Fotos via Twisted Sifter
Fotos via Twisted Sifter
Esta é a Manchinha, que foi adotada pela Jaque e pelo Eme, criadores do Hypeness.
Este é o Theo, quando Bruna Rasmussen o adotou há cerca de 3 anos.
Abaixo, o menino e meninas, resgatados da rua pelo fundador do Portal do Animal:
Simba, no dia em que foi resgatado das ruas (justo com sua melhor e inesperável amiga Ludmila). Na altura com estimativa de 8/9 anos, agora com 14/15 anos:
Ludmila, na foto com alguns meses de idade. Atualmente com 6 anos:
Mia, na foto com 1 ano de idade. Atualmente com 6 anos:
Isis, na foto com 1 ano de idade. Atualmente com 5 anos:
Mel, na foto com 3 meses. Atualmente com 8 meses de idade:
2. Compre de criadores sérios
Contudo, se você faz questão de ter um animal de determinada raça, busque por criadores sérios, que tratam os animais com respeito e dão a eles todos os cuidados médicos e psicológicos necessários para que sejam saudáveis e felizes. Confira algumas dicas de como fugir das fábricas de filhotes:
- Evite pet shops e animais que são trazidos de outros estados;
- Pergunte sempre se você pode conhecer o canil e, especialmente, os pais do animal;
- Canis sérios costumam focar em uma ou duas raças. Desconfie de quem trabalha com diversas raças;
- Desconfie da venda de filhotes muito novos. Criadores respeitam o tempo de desmame e socialização.
As fábricas de filhote existem pois há público para comprar esses animais. Trate os bichinhos com respeito e sempre prefira a adoção responsável.
Adaptação por Portal do Animal, da matéria originalmente criada por Bruna Rasmussen, no site Hypeness
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